quinta-feira, 13 de novembro de 2014

A Bacia do Una, suas pendências e "áreas críticas"

A Bacia do Una possui três áreas que, conforme a opinião de técnicos e militantes políticos envolvidos nas discussões sobre alagamentos ocorridos nos últimos anos, são reconhecidas como "áreas críticas" do ponto de vista da salubridade ambiental e do saneamento básico. Estas áreas correspondem ao Conjunto Santos Dumont, no Bairro da Maracangalha, à Comunidade Água Cristal, no Bairro da Marambaia e à Nova Aliança na intersecção entre os Bairros da Sacramenta e do Barreiro. Trata-se de locais que, apesar de fazerem parte do território geográfico da Bacia do Una, não foram beneficiadas em nenhuma das três vertentes do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una, a saber: 1) Saneamento básico; 2) Renovação urbana e 3) Promoção socioeconômica.


Comunidade Água Cristal, ano de 2013 - Bairro da Marambaia - Sub-Bacia VII do Projeto Una.


Há justificativas para a exclusão dessas áreas do Projeto Una. Os técnicos defendem-se dizendo que na década de 80, época em que o projeto foi concebido, estas áreas ainda não existiam como espaço estabelecido de moradia. Sendo de ocupação recente (e em grande parte irregular por se localizarem em áreas da União), estes lugares acabaram ficando à parte da grande obra de reforma urbana que pretendia sanear as baixadas da Bacia do Una e regularizar as propriedades fundiárias de seus habitantes. Especialistas que trabalharam no Projeto relatam, inclusive, que o projeto foi revisitado durante a década de 90 quando houve uma pausa nas obras em função da suspensão do financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), tendo sido incluídos muitos logradouros que não seriam beneficiados após a retomada das obras. Ou seja, mesmo sem contemplar as três "áreas críticas" e deixando diversas pendências de microdrenagem, o Projeto Una ainda teria cumprido mais do que prometeu a princípio.


Nova Aliança, ano de 2013 - Bairro da Sacramenta - Sub-bacia V do Projeto Una.


Os moradores dessas áreas e os movimentos sociais contrariam o argumento dos técnicos dizendo que, em primeiro lugar, se o projeto foi revisto nos anos 90 com a interrupção do financiamento, então seria possível incluir o Conjunto Santos Dumont e a Nova Aliança como beneficiários do Projeto Una. Estas áreas não apenas já existiam como espaço habitado há um bom tempo na década de 90, como também muitos de seus moradores já participavam ativamente da luta pelo saneamento na arena política e das discussões promovidas pela administração do Projeto Una. A existência dessas áreas como locais necessitados de projetos habitacionais não era segredo para ninguém.

Um trecho de uma entrevista com Geraldo (nome fictício) do Conjunto Santos Dumont também mostra o posicionamento do Comitê Assessor do Projeto Una (cujos membros foram agraciados com cargos DAS em órgãos da prefeitura) sobre as obras que ainda estavam pendentes:

Daquele momento em diante, nós começamos a sentir uma falta de apoio da prefeitura de Belém. Uma falta de apoio técnico da prefeitura de Belém. O movimento começou a sentir isso, que era um engajamento e a colocação das áreas atingidas na execução do projeto. A gente chamava, e chamamos várias vezes, o comitê assessor, que era o comitê fiscalizador do projeto pra tentar fazer esse trabalho, que eles poderiam fazer isso, mas eles se negavam: “Não, primeiro nós temos que fazer a parte estrutural, o grande rio”, o projeto já todo modificado, não tinha mais as estradas elevadas, nem ia mais ser em sentido de Veneza, era o aterramento das marginais, “vamos primeiro construir isso”. Porque era assim, era a idéia que eles colocavam. Quando a gente vai fazer uma coisa, primeiro a gente constrói a base e depois a gente faz os arremates. O problema é que esses arremates até hoje não foram feitos, mestre.


A "base", no entendimento do morador entrevistado e do Comitê Assessor, seria a abertura dos grandes canais e o trabalho de urbanização a ser realizado nas margens dos mesmos. Quanto aos "arremates" prometidos pelo Comitê Assessor, o órgão de representação popular responsável pela fiscalização e cobrança das obras de Macrodrenagem da Bacia do Una, estes nunca foram realizados, ficando o Conjunto Santos Dumont excluído do Projeto Una.

Geraldo contou que o movimento social recorreu ao Ministério Público Estadual na forma de uma denúncia sobre estas irregularidades e omissões no Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una. A denúncia dos moradores consistia no fato de que o Projeto Una havia deliberadamente colocado o Conjunto Santos Dumont à parte das obras de macrodrenagem com a conivência do Comitê Assessor, organismo que em tese deveria reivindicar junto com os moradores a inclusão da área no referido Projeto. A resposta do Ministério Público não pôde ser mais desanimadora: a acusação feita pelos moradores seria "infundada segundo informação técnica do Governo do Estado". Isso significa que desde o início nunca houve a intenção de realizar obras no Conjunto Santos Dumont. Os moradores do local compreenderam que o que vale mesmo, de fato e de direito, é aquilo que está no papel, ou seja, no projeto de obras que estão realmente previstas.


Conjunto Santos Dumont, ano de 2013 - Bairro da Maracangalha - Sub-Bacia V do Projeto Una.


As áreas excluídas da Macrodrenagem da Bacia do Una são um tema espinhoso nas discussões sobre saneamento em Belém. Teoricamente seriam responsabilidade da Prefeitura Municipal, que firmou compromisso com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e com a COSANPA (Companhia de Saneamento do Pará) para dar continuidade às obras pendentes de microdrenagem e pavimentação após a entrega do Projeto Una em janeiro de 2005. Já estando cientes da importância de documentos de caráter oficial, por diversas vezes solicitamos à COSANPA  e à SESAN (Secretaria Municipal de Saneamento) um mapa ou uma relação das microdrenagens pendentes do Projeto Una. Incluímos a solicitação deste documento como sugestão de encaminhamento para os relatores de uma CPI instaurara na Câmara Municipal de Belém sobre o paradeiro das máquinas veículos e equipamentos para manutenção das obras da Bacia do Una. Enviamos esta mesma sugestão de encaminhamento para os responsáveis pelo Relatório da ALEPA (Assembléia Legislativa do Estado do Pará) sobre a atual situação das obras da Bacia do Una. Em nenhum dos casos obtivemos resposta sobre esta questão.

Exemplo de pendência de microdrenagem: Vila Freitas, uma das transversais do Canal do Galo entre as avenidas Marquês de Herval e Pedro Miranda - Bairro da Pedreira - Sub-Bacia I do Projeto Una.


Contactamos e estivemos em reunião com o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), principal financiador das obras, apenas para obter a resposta de que essa instituição financeira não se responsabiliza pelo desenrolar do projeto. No entanto, uma das cláusulas de contrato de empréstimo era a de que a COSANPA deveria enviar relatórios anuais durante 10 anos após a conclusão das obras. O acesso a estes relatórios também foi negado por parte da COSANPA. O BID lava suas mãos quanto a essa questão.

Não é possível saber a extensão das pendências na Bacia do Una, sabe-se apenas que elas existem e que são muitas. Os casos mais extremos são os do Conjunto Santos Dumont, da Nova Aliança e da Água Cristal. Se o verdadeiro responsável pelo abandono da Bacia do Una e pela marginalização de seus habitantes não aparece de forma evidente, o que se observa é uma cadeia de cumplicidade que atravessa desde organizações populares corrompidas como o Comitê Acessor da Bacia do Una (que hoje atende pelo nome de Conselho Gestor), chegando a instituições financeiras multilaterais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento.