Nos idos do mês de fevereiro de 2014, moradores de diversos logradouros da cidade de Belém receberam o seguinte comunicado da
COSANPA (Companhia de Saneamento do Pará):
O comunicado emitido pela COSANPA anunciando a
cobrança de uma “taxa de esgoto” se mostrou no mínimo curioso, tendo em vista
que esse serviço é quase inexistente em Belém. Segundo os números em 2013 do Instituto
Trata Brasil, para o qual Belém é a segunda pior capital brasileira em
termos de saneamento (ficando na frente apenas de outra capital da Região Norte,
Macapá – AP), apenas 8,1% das residências de Belém são atendidas pelo serviço
de coleta e tratamento de esgotamento sanitário.
Em março de 2012 uma Comissão Temporária Externa da
ALEPA (Assembléia Legislativa do Pará) que investigou as denúncias de alagamentos,
irregularidades e omissões na Bacia do Una após a conclusão do
Projeto de Macrodrenagem, realizou verificações in loco e audiências públicas nas áreas da Bacia do Una mais
atingidas por inundações causadas pelo transbordamento dos canais. O resultado
deste trabalho está presente no Relatório Final dessa Comissão (2013), onde se
conclui que na Bacia do Una não houve, conforme estava previsto, a implementação de Estações de Tratamento de
Esgoto Sanitário ETE'S, de modo a não permitir o recrudescimento do nível de
saneamento aduzido pelo Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una. Consta no
mesmo relatório, como conseqüência da falta de Estações de Tratamento de
Esgoto, que os dejetos das residências são despejados sem nenhum
tratamento nos canais e consecutivamente lançados na Baia do Guajará.
Como pode a COSANPA cobrar uma taxa de 60% do valor
do consumo de água a titulo do serviço de desobstrução das redes de esgoto e
limpeza dos poços de visita, se o objeto desta cobrança é despejado
sem nenhum tratamento nos 17 canais integrantes do sistema macrodrenante da Bacia
do Una, trazendo doenças e colocando a população situação de risco e
vulnerabilidade?
Diante
da cobrança indevida por um serviço inexistente, a Frente dos Moradores
Prejudicados da Bacia do Una procurou a Comissão de Direitos Humanos e Defesa
do Consumidor da ALEPA (Assembléia Legislativa do Pará), a qual logo se
pronunciou contra a “taxa de esgoto” da COSANPA. Como justificativa para
suspensão da referida taxa, evocamos o Processo de nº 0014371-32.2008.814.0301 relativo à Ação Civil Pública movida
contra o Estado, a Prefeitura e a COSANPA pela falta de manutenção das obras do
Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una. Entre as obras cuja manutenção não
foi realizada ao longo de aproximadamente 10 anos, está o sistema de esgoto
precário implantado pelo Projeto Una.
Este
sistema de esgoto foi implantado na época de execução do Projeto Una e
posteriormente abandonado pela COSANPA, sendo hoje composto por fossas sépticas
individuais que sangram em via pública exalando mau cheiro e fossas coletivas
cuja manutenção nunca foi realizada. Nas conversas com habitantes de diversos
pontos da Bacia do Una, observamos que são os próprios moradores que fazem a
manutenção de suas fossas manualmente ou recorrem a empresas privadas como
alternativa à inoperância da COSANPA diante das solicitações de limpeza e
manutenção dos sistemas de esgoto. No caso das fossas coletivas a questão é
mais complexa, pois estas necessitam de equipamento especial para sua
manutenção. Se isto não ocorre, estas fossas de maior capacidade de acumulação
se transformam em verdadeiras “bombas biológicas” com risco de explodir a
qualquer momento. Em logradouros como, por exemplo, a Vila Freitas, localizada às margens do Canal do Galo na Travessa Antônio Baena entre Pedro Miranda e Marquês de Herval, os moradores foram autorizados a conectar "provisoriamente" a rede de esgoto pluvial de suas casas à rede de esgoto sanitária, o que vem acarretando a sobrecarga da segunda rede e inúmeros transtornos.
Fossa séptica coletiva sem manutenção implantada pelo Projeto Una na Passagem Santa Teresinha (área com pendência de microdrenagem), localizada na Travessa 9 de Janeiro entre Domingos Marreiro e Antônio Barreto. Sub-bacia I do Projeto Una.
Percebendo
que a cobrança indevida de sua taxa de coleta e tratamento de esgoto sanitário
não passou despercebida por alguns cidadãos belemenses mais atentos e
pressionada pela Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da ALEPA,
a COSANPA desistiu de cobrar a vergonhosa taxa e emitiu o seguinte comunicado:
O
comunicado acima não apresenta apenas um pedido de desculpas da COSANPA aos
seus clientes, mas o reconhecimento formal de que em Belém não há manutenção da
rede e nem serviço de tratamento e coleta de esgoto sanitário. A intenção deste
post não é a de fazer uma denúncia sobre uma taxa cobrada indevidamente ou
sobre um abuso contra os direitos dos consumidores por parte de um órgão
público. A Comissão de Direitos Humanos e Defesa do Consumidor da ALEPA “está
de parabéns” por realizar o seu trabalho em benefício da população. Isto é o
mínimo que se espera de representantes parlamentares eleitos com o voto
popular.
No
entanto, encerramos estes escritos com uma reflexão sobre a preocupante
aproximação entre “Direitos Humanos” e “Defesa do Consumidor” no interior de
uma comissão parlamentar. “Direitos” estão relacionados à cidadania, enquanto “consumo”
refere-se ao mercado. É sintomático dos efeitos das políticas neoliberais sobre
a cidade contemporânea a transformação de cidadãos em consumidores em potencial.
Nosso direito de consumidor foi atendido, não pagamos pelo saneamento que não
temos. Acontece que não queremos apenas ser vistos como consumidores. Queremos
cidadania plena. Para alcançar a cidadania plena, é necessário assegurar o direito
ao saneamento básico por meio de um sistema de coleta e tratamento de esgoto
sanitário que seja universal e eficiente, com sua manutenção periódica
realizada conforme os manuais técnicos.
A
COSANPA vem atestar, infelizmente, que a cidade de Belém ainda se encontra
presa a estruturas que remetem às cidades da época medieval européia, quando os
esgotos sanitários e as fossas eram descarregados em rios ou pântanos. Enquanto
outros centros urbanos procuram soluções – algumas bem sucedidas – para lidar
com as conseqüências catastróficas da poluição industrial em seus rios e cursos
d’água, em Belém é o nosso COCÔ (sim, não há melhor palavra para descrever o
material que navega pelos canais da Bacia do Una) que ainda é despejado na Baía
do Guajará. Baía do Guajará, é preciso ressaltar, que está em contato direto
com o Rio Guamá, de onde é retirada a água que sai das torneiras e chuveiros de
nossas casas (nem) todos os dias.
Fico agradecida ao movimento frente bacia do una pois mostra que nem todos ficam inertes diante da situação sofredora e exploradora que o poder público dá em troca para a população que os colocou lá no poder. Elayne Ribeiro
ResponderExcluir