domingo, 30 de dezembro de 2018

Relato da Audiência Pública ocorrida no dia 17 de dezembro de 2018 no MPPA



No dia 17 de dezembro de 2018 ocorreu no auditório Natanael Farias Leitão do Ministério Público do Estado do Pará (MPE/PA) uma audiência pública sobre questões relacionadas à Bacia do Una. A Bacia do Una é composta por um sistema de drenagem que inclui 17 canais, 6 galerias e 2 comportas, em uma área que abrange vinte bairros (Barreiro, Benguí, Cabanagem, Castanheira, Fátima, Mangueirão, Maracangalha, Marambaia, Miramar, Parque Verde, Pedreira, Sacramenta, Souza, Telégrafo, Una, Val-de-Cans, Marco, Nazaré, São Brás e Umarizal) e ocupa 60% do sítio urbano de Belém.

              Após a conclusão do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una – entre o fim de 2004 e o início de 2005 – os moradores da área tem sido vítimas de alagamentos e inundações pelo transbordamento dos canais que foram construídos pelo referido projeto. O Ministério Público do Estado do Pará reconheceu que os alagamentos e as inundações na Bacia do Una acontecem porque nunca houve manutenção adequada das obras de macrodrenagem implementadas. Em 2008 uma Ação Civil Pública Ambiental contra o Governo do Estado do Pará, a Companhia de Saneamento do Pará (COSANPA) e a Prefeitura Municipal de Belém foi ajuizada pelo referido Órgão Ministerial através do Processo de nº 0014371-32.2008.814.0301.

            Em 2013 o MPE/PA sugere o firmamento de um acordo TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com os réus da Ação Civil Pública Ambiental.  A Prefeitura, o Estado e a COSANPA respondem pela obrigação de fazer a manutenção no sistema de drenagem que nunca ocorreu e a realização de obras de microdrenagem que ficaram pendentes. O acordo proposto tem como base um recurso obtido junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para ser utilizado no que se convencionou chamar de "reabilitação" da Bacia do Una nos documentos em que o BID se refere a esta operação de crédito (3303 OC/BR).

          Cinco anos depois a prefeitura se encontra na fase de atender as condicionantes para o empréstimo. As discussões entre moradores da Bacia do Una, o Ministério Público e os réus são retomadas com vistas à execução das obras previstas e ao possível cumprimento do TAC. Assim, a audiência pública do dia 17 foi pautada em três eixos: 1) O escopo da “reabilitação” do conjunto de obras do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una com um recurso de 90 milhões de reais financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); 2) As estratégias para manutenção das obras da Bacia do Una e 3) Ações emergenciais para combate às inundações e alagamentos durante a estação chuvosa que já está em curso. Trata-se, portanto, de ações de médio, longo e curto prazo.

Na audiência estiverem presentes o próprio Prefeito Municipal, além de autoridades da COSANPA, da Secretaria Municipal de Saneamento (SESAN), Companhia de Desenvolvimento e Administração da Área Metropolitana de Belém (CODEM) e da Unidade de Cordenação do Programa de Macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova (UCP-PROMABEN), a unidade de gestão que é o órgão contratante do empréstimo de 125 milhões de dólares junto ao BID. Do total da quantia de 125 milhões de dólares financiados pelo banco, 90 milhões de reais serão alocados para a Bacia do Una, que em caráter excepcional foi inclusa na segunda etapa do Projeto PROMABEN.

Membros da Frente dos Moradores Prejudicados da Bacia do Una (FMPBU) se fizeram presentes, assim como a Defensoria Pública e movimentos sociais como a União Nacional pela Moradia Popular (UNMP/PA), além de entidades como como a Ordem dos Advogados do Brasil seção Pará (OAB/PA) através de suas comissões de Saúde, Meio Ambiente, Direito Urbanístico e Planejamento Urbano, o Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU). O Centro de Gestão e Operação do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM) também esteve presente e a Universidade Federal do Pará foi representada pelo Programa de Apoio à Reforma Urbana (PARU/UFPA).

        Também foi registrada a presença de suma importância de membros do Conselho Gestor da Nova Bacia do Una (CONGEB/Una). Esta foi a entidade que ficou responsável, após a conclusão do Projeto Una, pela articulação da participação social nas áreas beneficiadas pela macrodrenagem, possuindo as atribuições de cobrança, fiscalização e denúncia. Com a existência de recursos para obras na Bacia do Una e a necessidade de participação social nesse processo, o Conselho Gestor é provocado a se manifestar, comparecendo à audiência pública.

Após as falas do Promotor de Justiça e do Prefeito, houve apresentação da vistoria realizada pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPE/PA) na Bacia do Una, constatando o abandono no conjunto de obras. A apresentação do MPE/PA foi complementada pelo relato da FMPBU em parceria com a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Estado do Pará e do PARU/UFPA, que trataram não apenas sobre a necessidade da reabilitação de obras já executadas, mas de diversas pendências deixadas pelo Projeto Una durante a sua execução, o que hoje compromete a efetividade das políticas públicas de drenagem, saneamento e de saúde pública em geral.




A UCP-PROMABEN apresentou um plano de obras para a Bacia do Una, determinando os canais que serão inclusos na “reabilitação”, além das obras de Microdrenagem nas marginais dos canais e da recuperação das comportas do Una e do Jacaré. A SESAN expôs o seu plano emergencial para contenção dos alagamentos e inundações durante o inverno em curso, com um calendário de ações nos canais da Bacia do Una e os equipamentos a serem utilizados. A UCP-PROMABEN e a SESAN repetiram na forma de apresentação de slides as informações que já haviam sido compartilhadas em uma reunião anterior ocorrida no próprio MPE/PA. Os representantes dos órgãos também não responderam a grande parte das questões enviadas de antemão ao MPE/PA a pedido do Promotor para serem repassadas à SESAN e à UCP-PROMABEN e respondidas na ocasião da audiência pública. Assim, o plano de obras da UCP-PROMABEN permaneceu vago (havendo apenas os canais listados pra receberem intervenção), assim como não ficou evidente se há ou não um plano emergencial da SESAN para este inverno na Bacia do Una.

Após as apresentações formais, abriu-se o espaço para os presentes se manifestarem. Membros da FMPBU tiveram a palavra, assim como outras entidades populares. Houve também muitas falas de apoiadores do Prefeito Municipal que estavam na plateia. Os mesmos foram embora em sua maioria quando, às 13h, o prefeito se retirou do auditório para atender outro compromisso. A dinâmica das perguntas e respostas contou com a participação de outros atores que não se pronunciaram nas falas formais previstas para a audiência, a exemplo do representantes do CENSIPAM e da representante do CAU, que enriqueceram o debate com suas contribuições.




Ao fim do audiência pública que durou aproximadamente das 8:30 da manhã até as 15:00, restaram algumas observações. O plano de obras apresentado pela UCP–PROMABEN permanece vago. Sem um orçamento detalhado, a quantia de 90 milhões de reais continua parecendo insuficiente para as obras necessárias na Bacia do Una. Quanto às áreas excluídas do Projeto Una e que ainda nos dias de hoje necessitam de obras, a exemplo do Canal Antônia Nunes e do Canal das Malvinas, não houve nenhum encaminhamento nem a prefeitura e nem a UCP-PROMABEN. Estas áreas não foram incluídas no plano de obras do PROMABEN II e também não foi mencionado que a prefeitura utilizaria recursos próprios para beneficiar estas e outras áreas. Também os logradouros com microdrenagem pendentes tem sido excluídos das discussões com a prefeitura. É necessário lembrar que as microdrenagens pendentes são objeto das obrigações de fazer estipuladas na petição inicial da Ação Civil Pública Ambiental. Se de fato as microdrenagens pendentes forem excluídas do TAC, isso beneficiaria a prefeitura, que assumiu a responsabilidade pela realização dessas obras a partir de 2005 junto ao Governo do Estado.

Outra questão bastante discutida foram as deficiências no sistema de esgotamento sanitário implementado na Bacia do Una. Os técnicos da COSANPA declaram que o problema maior não seria a falta de Estações de Tratamento de Esgoto, mas a falta de ligações domiciliares à rede de esgoto. Para os representantes da companhia de saneamento, haveria estações inativas por falta de material para tratamento. Em seu discurso há uma tendência a responsabilizar a população que se negaria a fazer a ligação das residências à rede de esgoto. De todo modo, é consenso que o problema da drenagem não pode ser resolvido sem que seja dada certa atenção ao esgotamento sanitário. Em primeiro lugar por uma questão de saúde pública, pois o esgoto despejado in natura nos canais retorna às residências quando os canais transbordam. Em segundo lugar por uma questão de dimensionamento da rede de drenagem, cuja capacidade de acumulação foi projetada para receber águas pluviais e não o esgoto sanitário. Especula-se que muito dos resíduos que assoreiam o leito dos canais seja material de esgotamento.   

A existência de plano com ações emergenciais para mitigação dos efeitos de inundações e alagamentos na Bacia do Una também foi alvo de controvérsia. A SESAN apresentou um calendário de ações de manutenção e limpeza de canais e galerias. No entanto, não ficou evidente se o calendário apresenta as ações regulares que ocorrem todos os anos – o que a prefeitura intitula de "Operação Inverno" – ou se há alguma excepcionalidade nos esforços que serão envidados neste ano. Os representantes da SESAN foram bastante questionados nesse sentido, inclusive foi apontado que o calendário de ações estaria atrasado, pois o inverno amazônico já está em curso. Por mais que haja esforços por parte da SESAN por meio da intensificação sazonal dos trabalhos para limpeza e manutenção do sistema de drenagem, isto não tem sido suficiente para evitar inundações e alagamentos na Bacia do Una ano após ano.

  Atualmente os parâmetros técnicos da manutenção e conservação das obras da Bacia do Una encontram-se em estágio de revisão. Semanas antes da audiência pública a prefeitura disponibilizou a minuta de um novo manual de operação e manutenção dos sistemas de saneamento básico da cidade de Belém, que tem no seu conteúdo os eixos drenagem, esgotamento sanitário, limpeza urbana e abastecimento de água com especificações para as 14 bacias hidrográficas existentes na região metropolitana da Belém. O novo manual é uma das condicionantes para a obtenção do empréstimo junto ao BID, assim como a elaboração de um plano municipal de saneamento, a criação de uma agência municipal reguladora de água e esgoto e uma reforma institucional na própria SESAN.

        As negociações da Prefeitura junto ao BID para contrair a operação de crédito continuam, assim como o trabalho de mediação do Ministério Público e a mobilização política da FMPBU e demais moradores da Bacia do Una. A previsão de início das obras é o segundo semestre de 2020. Enquanto isso, para o movimento social é necessário se apropriar do conteúdo do novo manual de saneamento, cobrar e acompanhar as ações emergenciais contra inundações e alagamentos, assim como pautar não apenas a "reabilitação" de obras já realizadas na Bacia do Una, mas também a inclusão de áreas desassistidas pelo Projeto Una para as quais ainda não há previsão de qualquer intervenção por parte do poder público.