segunda-feira, 7 de agosto de 2017

A Frente dos Moradores Prejudicados da Bacia do Una: Trajetória e Ações do Movimento Social

A FMPBU e a luta pelo saneamento em Belém

           
            O conflito na Bacia do Una está ligado aos impactos das obras do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una, realizado com recursos do Estado do Pará através de financiamento do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). Os moradores afirmam  que após a conclusão do referido projeto em 2004 o conjunto de obras não recebeu a manutenção necessária, o que tem causado alagamentos por transbordamento dos canais mesmo em áreas que não inundavam antes da execução do Projeto Una.

            Os moradores também estão cientes que há obras deixadas pendentes pelo projeto como canais que não sofreram intervenção (a exemplo do Canal Antônia Nunes e do Canal das Malvinas) e ruas sem terraplenagem, asfaltamento e drenagem superficial. A falta da realização dessas obras também tem comprometido a funcionalidade do sistema de macrodrenagem implantado pelo Projeto Una.

            O Projeto Una também previa a construção de Estações de Tratamento de Esgoto para atender a demanda das residências dos 20 bairros da Bacia do Una e assim melhorar progressivamente a qualidade da água dos canais, que atualmente recebem todo o esgoto sanitário da região. Como as ETEs não foram construídas, os moradores da Bacia do Una não apenas tem suas casas invadidas pela água quando os canais transbordam, mas também pelos dejetos sanitários que são despejados nos mesmos canais.

            Além da falta de manutenção do sistema de macrodrenagem, de obras não realizadas e de ETEs não construídas, os maquinários veículos e equipamentos destinados à manutenção do conjunto de obras do Projeto Una foram extraviados. Em 2013 uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instaurada na Câmara Municipal de Belém para investigar o paradeiro dos equipamentos e em 2014 foi divulgado (Diário Oficial da Câmara nº 1607 de 15, 16, 17, 18 e 19 de dezembro de 2014, páginas 3 a 6) que os maquinários, veículos e equipamentos haviam sido ilegalmente apropriados pela empresa Belém Ambiental S.A.. Há indícios de que essa empresa está registrada no nome de um ex-assessor de Duciomar Costa, prefeito de Belém na época em que os maquinários, veículos e equipamentos foram entregues pelo governo do estado à administração municipal.

            Este é um conflito que já foi judicializado. Em 2008, devido ao acúmulo de denúncias feitos por moradores sobre inundações e falta de manutenção nos canais da Bacia do Una, o Ministério Público – através da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio, Patrimônio Cultural, Habitação Urbanismo – ajuizou uma Ação Civil Ambiental (processo de  nº 0014371-32.2008.814.0301) contra o Estado, a Prefeitura e a COSANPA pela obrigação de fazer a manutenção no conjunto de obras na Bacia do Una, bem como a realização de obras complementares de microdrenagem que ficaram pendentes após a conclusão do Projeto Una.

            A Frente dos Moradores Prejudicados da Bacia do Una (FMPBU) surgiu em 2013 diante da necessidade da existência de uma entidade de representação dos cidadãos que efetuaram as denúncias ao Ministério Público. A estratégia da criação desta sigla era proteger o anonimato e conferir maior legitimidade aos moradores prejudicados com inundações da Bacia do Una na assinatura de documentos, participação em audiências públicas e reuniões com autoridades do município e do estado.

FMPBU se pronunciando no Fórum Municipal das Vítimas de Alagamentos em Belém, realizado na Casa de Shows A Pororoca em fevereiro de 2013.


            Desde então a Frente dos Moradores Prejudicados da Bacia do Una tem realizado diversas ações de denúncia e também ações educativas relacionadas ao problema das inundações na Bacia do Una e em Belém como um todo. Entre essas ações, se destacaram:


– Participação nas manifestações de junho e julho de 2013, quando foi distribuído o seguinte comunicado:

COMUNICADO
Diante ao agravamento da situação calamitosa causadora de sofrimento, transtornos, prejuízos materiais e danos de ordem moral a significativa parcela da população de Belém, com os constantes alagamentos. Em face à incessante busca por nossos direitos ao saneamento básico e ambiental, ao ir e vir, à moradia com dignidade, à saúde pública, à melhoria da qualidade de vida e, no mínimo, à dignidade humana. Comunicamos aos Cidadãos da Bacia do Una, (constituída por 20 bairros, sendo 4 de forma parcial: Marco, Nazaré, São Brás e Umarizal e 16 de forma integral: Barreiro, Benguí, Cabanagem, Castanheira, Fátima, Mangueirão, Maracangalha, Marambaia, Miramar, Parque Verde, Pedreira, Sacramenta, Souza, Telégrafo, Una e Val-de-Cans, sendo desde a fase de execução do projeto dividida em 7 sub-bacias), que tramita no Poder Público Judiciário do Estado do Pará, o Processo de n◦ 0014371-32.2008.814.0301, relativo à Ação Civil Pública Ambiental, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará (3ᵃ Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo de Belém), onde a Prefeitura Municipal de Belém, a Companhia de Saneamento do Pará – COSANPA e o Estado do Pará, respondem desde o dia 16 de abril de 2008 ao MM. Sr. Juiz de Direito, Dr. Marco Antônio Lobo Castelo Branco, (Titular da 2ᵃ Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital), pela "Obrigação de Fazer" a execução das várias obras complementares de Microdrenagem que ficaram pendentes espalhadas pelas 7 Sub-bacias e a manutenção periódica do Conjunto de Obras executadas pelo Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una, agrupado em três grandes sistemas: Viário, Macrordrenagem (17 canais, 6 galerias e duas comportas) e Saneamento, nos termos especificados pelos Manuais de Operação e Manutenção do Sistema de Esgoto Sanitário e Água Potável da Bacia do Una, agosto de 2001; Operação e Manutenção de Drenagem, Vias e Obras de Artes Especiais da Bacia do Una – Volume I, maio de 2002 e de Operação e Manutenção das Comportas do Una e Jacaré, com a utilização dos equipamentos, maquinários e veículos, avaliados em R$ 21.977.619,75, que foram adquiridos pelo Estado do Pará (mutuário final) com os recursos do contrato de financiamento firmado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (órgão financiador), repassados no dia 02 de janeiro de 2005 ao Acervo Físico Patrimonial do Município de Belém. Valendo ressaltar, que o uso inadequado, o desvio e o paradeiro dado, por parte da Prefeitura Municipal de Belém de tais equipamentos, maquinários e veículos são hoje, objeto de investigação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, instalada na Câmara Municipal de Belém.
Frente dos Moradores Prejudicados da Bacia do Una.

Membro da FMPBU panfletando cidadão na Praça da República.

– Criação de um blog <  frentebaciadouna.blogspot.com > para divulgação da problemática e organização de acervo em setembro de 2013;

– Participação do evento Quintas Urbanas organizado pelo Programa de Apoio à Reforma Urbana (PARU/UFPA) com o tema "Urbanização e desigualdades em Belém (PA): a Macrodrenagem da Bacia do Una", em outubro de 2013;

– Participação em reunião com a relatora especial da ONU para assuntos de Saneamento Catarina Albuquerque no Sindicato dos Urbanitários do Estado do Pará (STIUPA) em dezembro de 2013;

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– Denúncia do abandono das obras da Bacia do Una ao próprio BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) através do MICI (Mecanismo Independente de Consulta e Investigação), uma espécie de corregedoria do BID, em março de 2014;

– Participação, juntamente com cidadãos da Bacia do Una e outras lideranças da Bacia do Una, das visitas técnicas do MPE-PA às obras do Projeto Una em novembro de 2014;
Equipe multidisciplinar do MPE-PA às margens do Canal Água Cristal, Bairro da Marambaia, Sub-Bacia V do Projeto Una.

Equipe Multidisciplinar do MPE-PA acompanhada por membros da FMPBU e moradores na Passagem Santa Terezinha, pendência de microdrenagem deixada pelo Projeto Una na Avenida 9 de janeiro entre as ruas Domingos Marreiros e Antônio Barreto, Bairro do Umarizal, Sub-Bacia I do Projeto Una.

– Participação da Audiência Pública sobre alagamentos e inundações na cidade de Belém promovida pela Comissão de Meio Ambiente da OAB/PA em março de 2015;

FMPBU compondo a mesa da audiência pública junto com parlamentares e a Comissão de Meio Ambiente da OAB/PA.

– Participação do evento "Planejamento do saneamento sob a ótica da política pública", organizado pelo PARU/UFPA e pela FASE em junho de 2015;

– Participação, como convidados da Comissão de Meio Ambiente da OAB/PA e da Comissão de Direitos Humanos da ALEPA, no Painel de Água e Esgoto e no Painel de Direito à Moradia  da VI Conferência Interamericana de Direitos Humanos em agosto de 2015, o que rendeu dois subprodutos: 1) Encaminhamento das denúncias ao Ministério das Cidades e 2) Início da Interlocução com a Defensoria Púlica do Estado do Pará;

 – Participação no evento "A reforma urbana em debate" realizado pelo PARU/UFPA em setembro de 2015;

– Participação, junto com moradores da Bacia do Una e movimentos sociais da Bacia do Tucunduba e da Estrada Nova da roda de conversa "Intervenções urbanísticas e conflitos socioambientais: o papel da Universidade Federal do Pará", organizado pelo PARU/UFPA em agosto de 2016;

– Denúncia do abandono da Bacia do Una durante a ocupação da Universidade Federal do Pará em eventos organizados pelo Observatório dos Conflitos Urbanos e pelo PARU/UFPA em dezembro de 2016;

– Organização e participação no ato público "Direitos Humanos não combinam com descaso", junto com o Comitê Popular Urbano (CPU) questionando alagamentos em Belém, as deficiências na infraestrutura urbana e a morosidade do Judiciário, realizado em referência ao Dia Internacional dos Direitos Humanos em dezembro de 2016;



– Participação na abertura do ano legislativo da Câmara Municipal de Belém em fevereiro de 2017 questionando as inundações na Bacia do Una e cobrando encaminhamentos das questões verificadas pela CPI instaurada na CMB entre 2013 e 2014;

– Atualmente a FMPBU está participando em diálogo com a OAB/PA, o PARU/UFPA e o MPE/PA da produção de um Termo de Ajustamento de Conduta, que consiste em um acordo entre o MPE/PA e o Estado, a Prefeitura e a COSANPA, os quais são os réus na já citada Ação Civil Pública Ambiental referente ao processo de  nº 0014371-32.2008.814.0301.



              Os questionamentos da Frente de Moradores Prejudicados da Bacia do Una (FMPBU) se dirigem em três frentes:

1) A omissão e a falta de ética do Poder Público Executivo nos âmbitos municipal e estadual pela falta de manutenção do conjunto de obras do Projeto Una, pelo extravio e apropriação indevida dos maquinários destinados a essa manutenção e pela transformação dos canais da cidade em esgotos a céu aberto devido à falta de Estações de Tratamento de Esgoto;

2) A morosidade e inoperância do Poder Judiciário e do Ministério Público Estadual no tramite do Processo de nº 0014371-32.2008.814.0301, relativo à Ação Civil Pública Ambiental contra o Estado, a Prefeitura e a COSANPA.

Soma-se a isto o silêncio e a falta de posicionamento desde o ano de 2007 por parte do Ministério Público do Estado do Pará, através da Promotoria de Justiça de Direitos Constitucionais, Fundamentais, Defesa do Patrimônio Público e Moralidade Administrativa, a respeito das inúmeras denúncias que apontam indícios característicos de improbidade administrativa por parte da Prefeitura Municipal de Belém, acerca dos equipamentos, maquinários e veículos, avaliados em R$ 21.977.619,75, que foram adquiridos pelo Estado do Pará (mutuário final) com os recursos do contrato de financiamento firmado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (órgão financiador), repassados no dia 02 de janeiro de 2005 ao Acervo Físico Patrimonial do Município de Belém, estando destinados à manutenção do conjunto de obras executadas pelo Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una;

3) O silêncio do Conselho Gestor da Bacia do Una (CONGEB/UNA), cujos membros permaneceram inertes diante das irregularidades, inundações e desvio do equipamentos para manutenção da Bacia do Una. A maioria de seus membros recebeu cargos DAS em secretarias da prefeitura, o que comprometeu o desempenho das responsabilidades de fiscalização, cobrança e denúncia do referido Conselho Gestor, que deveria ser a entidade representativa dos moradores da Bacia do Una após o término das obras;

4) O desinteresse do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) pelo resultado de seus investimentos. Embora a manutenção do sistema de obras pela prefeitura e o envio de relatórios sazonais pela COSANPA estivessem previstos no contrato do empréstimo contraído pelo Estado do Pará para a realização do Projeto Una, o BID não tomou providências quando essas obrigações legais não foram cumpridas. Mesmo diante de denúncias de improbidade administrativa, da constatação de corrupção envolvendo o Projeto Una e do não cumprimento de cláusulas do contrato de financiamento com o Governo do Estado para as obras do Projeto Una o BID continua financiando projetos da mesma ordem como a Macrodrenagem da Bacia da Estrada Nova.



            A Frente dos Moradores Prejudicados da Bacia do Una sustenta que as inundações e alagamentos na Bacia do Una são o resultado combinado destes quatro fatores que continuam contribuindo para a violação dos direitos humanos de boa parte da população de Belém. Este movimento social concebe a cidade e seus corpos drenantes como parte de um sistema metabólico que inclui não apenas a drenagem, mas o esgotamento sanitário e o abastecimento de água. Logo, a FMPBU se considera um movimento social urbano pelo direito à moradia digna e ao saneamento básico e ambiental.