A FMPBU e a luta pelo saneamento em Belém
O conflito na Bacia do Una está
ligado aos impactos das obras do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una,
realizado com recursos do Estado do Pará através de financiamento do BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento). Os moradores afirmam que após a conclusão do referido projeto em
2004 o conjunto de obras não recebeu a manutenção necessária, o que tem causado
alagamentos por transbordamento dos canais mesmo em áreas que não inundavam
antes da execução do Projeto Una.
Os moradores também estão cientes
que há obras deixadas pendentes pelo projeto como canais que não sofreram
intervenção (a exemplo do Canal Antônia Nunes e do Canal das Malvinas) e ruas
sem terraplenagem, asfaltamento e drenagem superficial. A falta da realização dessas
obras também tem comprometido a funcionalidade do sistema de macrodrenagem
implantado pelo Projeto Una.
O Projeto Una também previa a
construção de Estações de Tratamento de Esgoto para atender a demanda das
residências dos 20 bairros da Bacia do Una e assim melhorar progressivamente a
qualidade da água dos canais, que atualmente recebem todo o esgoto sanitário da
região. Como as ETEs não foram construídas, os moradores da Bacia do Una não
apenas tem suas casas invadidas pela água quando os canais transbordam, mas
também pelos dejetos sanitários que são despejados nos mesmos canais.
Além da falta de manutenção do
sistema de macrodrenagem, de obras não realizadas e de ETEs não construídas,
os maquinários veículos e equipamentos destinados à manutenção do conjunto de
obras do Projeto Una foram extraviados. Em 2013 uma Comissão Parlamentar de
Inquérito foi instaurada na Câmara Municipal de Belém para investigar o
paradeiro dos equipamentos e em 2014 foi divulgado (Diário Oficial da Câmara nº
1607 de 15, 16, 17, 18 e 19 de dezembro de 2014, páginas 3 a 6) que os
maquinários, veículos e equipamentos haviam sido ilegalmente apropriados pela
empresa Belém Ambiental S.A.. Há indícios de que essa empresa está registrada
no nome de um ex-assessor de Duciomar Costa, prefeito de Belém na época em que
os maquinários, veículos e equipamentos foram entregues pelo governo do estado
à administração municipal.
Este é um conflito que já foi
judicializado. Em 2008, devido ao acúmulo de denúncias feitos por moradores
sobre inundações e falta de manutenção nos canais da Bacia do Una, o Ministério
Público – através da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio, Patrimônio
Cultural, Habitação Urbanismo – ajuizou uma Ação Civil Ambiental (processo
de nº 0014371-32.2008.814.0301) contra o Estado, a Prefeitura e a
COSANPA pela obrigação de fazer a manutenção no conjunto de obras na Bacia do
Una, bem como a realização de obras complementares de microdrenagem que ficaram
pendentes após a conclusão do Projeto Una.
A Frente dos Moradores Prejudicados
da Bacia do Una (FMPBU) surgiu em 2013 diante da necessidade da existência de
uma entidade de representação dos cidadãos que efetuaram as denúncias ao
Ministério Público. A estratégia da criação desta sigla era proteger o anonimato e conferir maior
legitimidade aos moradores prejudicados com inundações da Bacia do Una na
assinatura de documentos, participação em audiências públicas e reuniões com
autoridades do município e do estado.
FMPBU se pronunciando no Fórum Municipal das Vítimas de Alagamentos em Belém, realizado na Casa de Shows A Pororoca em fevereiro de 2013. |
Desde então a Frente dos Moradores
Prejudicados da Bacia do Una tem realizado diversas ações de denúncia e também
ações educativas relacionadas ao problema das inundações na Bacia do Una e em
Belém como um todo. Entre essas ações, se destacaram:
–
Participação nas manifestações de junho e julho de 2013, quando foi distribuído
o seguinte comunicado:
COMUNICADO
Diante
ao agravamento da situação calamitosa causadora de sofrimento, transtornos,
prejuízos materiais e danos de ordem moral a significativa parcela da população
de Belém, com os constantes alagamentos. Em face à incessante busca por nossos
direitos ao saneamento básico e ambiental, ao ir e vir, à moradia com
dignidade, à saúde pública, à melhoria da qualidade de vida e, no mínimo, à
dignidade humana. Comunicamos aos Cidadãos da Bacia do Una, (constituída por 20
bairros, sendo 4 de forma parcial: Marco, Nazaré, São Brás e Umarizal e 16 de
forma integral: Barreiro, Benguí, Cabanagem, Castanheira, Fátima, Mangueirão,
Maracangalha, Marambaia, Miramar, Parque Verde, Pedreira, Sacramenta, Souza,
Telégrafo, Una e Val-de-Cans, sendo desde a fase de execução do projeto
dividida em 7 sub-bacias), que tramita no Poder Público Judiciário do Estado do
Pará, o Processo de n◦ 0014371-32.2008.814.0301, relativo à Ação Civil Pública
Ambiental, ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Pará (3ᵃ Promotoria de
Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Cultural, Habitação e Urbanismo
de Belém), onde a Prefeitura Municipal de Belém, a Companhia de Saneamento do
Pará – COSANPA e o Estado do Pará, respondem desde o dia 16 de abril de 2008 ao
MM. Sr. Juiz de Direito, Dr. Marco Antônio Lobo Castelo Branco, (Titular da 2ᵃ
Vara de Fazenda Pública da Comarca da Capital), pela "Obrigação de
Fazer" a execução das várias obras complementares de Microdrenagem que
ficaram pendentes espalhadas pelas 7 Sub-bacias e a manutenção periódica do
Conjunto de Obras executadas pelo Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una,
agrupado em três grandes sistemas: Viário, Macrordrenagem (17 canais, 6
galerias e duas comportas) e Saneamento, nos termos especificados pelos Manuais
de Operação e Manutenção do Sistema de Esgoto Sanitário e Água Potável da Bacia
do Una, agosto de 2001; Operação e Manutenção de Drenagem, Vias e Obras de
Artes Especiais da Bacia do Una – Volume I, maio de 2002 e de Operação e
Manutenção das Comportas do Una e Jacaré, com a utilização dos equipamentos,
maquinários e veículos, avaliados em R$ 21.977.619,75, que foram adquiridos
pelo Estado do Pará (mutuário final) com os recursos do contrato de
financiamento firmado com o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID
(órgão financiador), repassados no dia 02 de janeiro de 2005 ao Acervo Físico
Patrimonial do Município de Belém. Valendo ressaltar, que o uso inadequado, o
desvio e o paradeiro dado, por parte da Prefeitura Municipal de Belém de tais
equipamentos, maquinários e veículos são hoje, objeto de investigação de uma
Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI, instalada na Câmara Municipal de
Belém.
Frente
dos Moradores Prejudicados da Bacia do Una.
–
Criação de um blog <
frentebaciadouna.blogspot.com > para divulgação da problemática e
organização de acervo em setembro de 2013;
–
Participação do evento Quintas Urbanas organizado pelo Programa de Apoio à
Reforma Urbana (PARU/UFPA) com o tema "Urbanização e desigualdades em
Belém (PA): a Macrodrenagem da Bacia do Una", em outubro de 2013;
–
Participação em reunião com a relatora especial da ONU para assuntos de
Saneamento Catarina Albuquerque no Sindicato dos Urbanitários do Estado do Pará
(STIUPA) em dezembro de 2013;
Adicionar legenda |
–
Denúncia do abandono das obras da Bacia do Una ao próprio BID (Banco
Interamericano de Desenvolvimento) através do MICI (Mecanismo Independente de
Consulta e Investigação), uma espécie de corregedoria do BID, em março de 2014;
–
Participação, juntamente com cidadãos da Bacia do Una e outras lideranças da
Bacia do Una, das visitas técnicas do MPE-PA às obras do Projeto Una em
novembro de 2014;
Equipe multidisciplinar do MPE-PA às margens do Canal Água Cristal, Bairro da Marambaia, Sub-Bacia V do Projeto Una. |
–
Participação da Audiência Pública sobre alagamentos e inundações na cidade de
Belém promovida pela Comissão de Meio Ambiente da OAB/PA em março de 2015;
FMPBU compondo a mesa da audiência pública junto com parlamentares e a Comissão de Meio Ambiente da OAB/PA. |
–
Participação do evento "Planejamento do saneamento sob a ótica da política
pública", organizado pelo PARU/UFPA e pela FASE em junho de 2015;
–
Participação, como convidados da Comissão de Meio Ambiente da OAB/PA e da
Comissão de Direitos Humanos da ALEPA, no Painel de Água e Esgoto e no Painel
de Direito à Moradia da VI Conferência
Interamericana de Direitos Humanos em agosto de 2015, o que rendeu dois
subprodutos: 1) Encaminhamento das denúncias ao Ministério das Cidades e 2)
Início da Interlocução com a Defensoria Púlica do Estado do Pará;
– Participação no evento "A reforma
urbana em debate" realizado pelo PARU/UFPA em setembro de 2015;
–
Participação, junto com moradores da Bacia do Una e movimentos sociais da Bacia
do Tucunduba e da Estrada Nova da roda de conversa "Intervenções
urbanísticas e conflitos socioambientais: o papel da Universidade Federal do
Pará", organizado pelo PARU/UFPA em agosto de 2016;
–
Denúncia do abandono da Bacia do Una durante a ocupação da Universidade Federal
do Pará em eventos organizados pelo Observatório dos Conflitos Urbanos e pelo
PARU/UFPA em dezembro de 2016;
–
Organização e participação no ato público "Direitos Humanos não combinam
com descaso", junto com o Comitê Popular Urbano (CPU) questionando
alagamentos em Belém, as deficiências na infraestrutura urbana e a morosidade
do Judiciário, realizado em referência ao Dia Internacional dos Direitos
Humanos em dezembro de 2016;
–
Participação na abertura do ano legislativo da Câmara Municipal de Belém em
fevereiro de 2017 questionando as inundações na Bacia do Una e cobrando
encaminhamentos das questões verificadas pela CPI instaurada na CMB entre 2013
e 2014;
–
Atualmente a FMPBU está participando em diálogo com a OAB/PA, o PARU/UFPA e o
MPE/PA da produção de um Termo de Ajustamento de Conduta, que consiste em um
acordo entre o MPE/PA e o Estado, a Prefeitura e a COSANPA, os quais são os
réus na já citada Ação Civil Pública Ambiental referente ao processo de nº
0014371-32.2008.814.0301.
Os
questionamentos da Frente de Moradores Prejudicados da Bacia do Una (FMPBU) se
dirigem em três frentes:
1) A omissão e a falta de ética do Poder Público
Executivo nos âmbitos municipal e estadual pela falta de manutenção do conjunto
de obras do Projeto Una, pelo extravio e apropriação indevida dos maquinários
destinados a essa manutenção e pela transformação dos canais da cidade em
esgotos a céu aberto devido à falta de Estações de Tratamento de Esgoto;
2) A morosidade e inoperância do Poder Judiciário e
do Ministério Público Estadual no tramite do Processo de nº 0014371-32.2008.814.0301, relativo à Ação Civil Pública Ambiental contra o Estado,
a Prefeitura e a COSANPA.
Soma-se
a isto o silêncio e a falta de posicionamento desde o ano de 2007 por parte do Ministério Público do Estado do
Pará, através da Promotoria de Justiça de Direitos Constitucionais,
Fundamentais, Defesa do Patrimônio Público e Moralidade Administrativa, a
respeito das inúmeras denúncias que apontam indícios característicos de
improbidade administrativa por parte da Prefeitura Municipal de Belém, acerca dos equipamentos, maquinários e veículos,
avaliados em R$ 21.977.619,75,
que foram adquiridos pelo Estado do
Pará (mutuário final) com os recursos
do contrato de financiamento firmado com o Banco Interamericano de
Desenvolvimento – BID (órgão financiador), repassados no dia 02 de janeiro de 2005 ao Acervo Físico Patrimonial do
Município de Belém, estando destinados à manutenção do
conjunto de obras executadas pelo Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una;
3) O
silêncio do Conselho Gestor da Bacia do Una (CONGEB/UNA), cujos membros
permaneceram inertes diante das irregularidades, inundações e desvio do
equipamentos para manutenção da Bacia do Una. A maioria de seus membros recebeu
cargos DAS em secretarias da prefeitura, o que comprometeu o desempenho das
responsabilidades de fiscalização, cobrança e denúncia do referido Conselho
Gestor, que deveria ser a entidade representativa dos moradores da Bacia do Una
após o término das obras;
4) O
desinteresse do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) pelo resultado de
seus investimentos. Embora a manutenção do sistema de obras pela prefeitura e o
envio de relatórios sazonais pela COSANPA estivessem previstos no contrato do
empréstimo contraído pelo Estado do Pará para a realização do Projeto Una, o
BID não tomou providências quando essas obrigações legais não foram cumpridas. Mesmo
diante de denúncias de improbidade administrativa, da constatação de corrupção
envolvendo o Projeto Una e do não cumprimento de cláusulas do contrato de
financiamento com o Governo do Estado para as obras do Projeto Una o BID
continua financiando projetos da mesma ordem como a Macrodrenagem da Bacia da
Estrada Nova.
A Frente dos Moradores Prejudicados
da Bacia do Una sustenta que as inundações e alagamentos na Bacia do Una são o
resultado combinado destes quatro fatores que continuam contribuindo para a
violação dos direitos humanos de boa parte da população de Belém. Este
movimento social concebe a cidade e seus corpos drenantes como parte de um
sistema metabólico que inclui não apenas a drenagem, mas o esgotamento
sanitário e o abastecimento de água. Logo, a FMPBU se considera um movimento
social urbano pelo direito à moradia digna e ao saneamento básico e ambiental.
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