O ano de 2020
foi marcado por grandes inundações e abandono das políticas de saneamento na
Bacia do Una e em Belém. Se isso não difere 2020 dos anos anteriores, este ano
teve um duplo diferencial. Em março a prefeitura de Belém e o Governo do Pará decretaram
est ado de emergência devido à extensão das inundações e alagamentos em Belém,
fato até então inédito na capital paraense. O ano de 2020 também ficará
lembrado como o do início da pandemia global de Covid-19, doença provocada pelo
vírus Sars-Cov-2. Como foi discutido em um post anterior, a situação de
pandemia exacerbou os problemas resultantes da falta de saneamento em Belém,
potencializando de forma conjunta os riscos de contágio do Covid-19 e os
impactos dos alagamentos e inundações.
Abaixo, alguns registros realizados por moradores da Bacia do Una sobre a situação das obras
do Projeto Una e seus impactos socioambientais no ano de 2020 e início de 2021.
No início de março de 2020 foi registrada esta inundação por transbordamento do Canal do Galo na Vila Maria de Fátima, localizada na Avenida Pedro Miranda entre a Travessa Curuzu e a Travessa Antônio Baena (marginal direita do Canal do Galo) e , Bairro da Pedreira, Sub-bacia IV do Projeto Una.
Também circularam nas redes sociais registros e depoimentos de moradores indignados sobre as omissões do poder público e suas condições de vida em meio à pandemia. É o caso do vídeo acima, que documentou inundação provocada pelo transbordamento do
Canal do Galo ocorrida às 10 horas e 50 minutos de um sábado dia 07 de março de
2020, na Travessa Curuzu esquina da Avenida Antônio Everdosa no bairro da
Pedreira em Belém do Pará, Sub-bacia IV do Projeto Una.
O registro fotográfico acima data de 24 de julho de 2020 e mostra uma escavadeira Dragline (guindaste padrão sobre esteira) de propriedade da empresa
Sólida Construções Ltda, posicionada na pista da marginal direita do Canal 3 de
Maio, localizado na Travessa 3 de Maio no perímetro compreendido entre a Rua
Diogo Móia e a Avenida Marquês de Herval, na confluência dos bairros de Fátima,
Pedreira e Umarizal, Sub-bacia I do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una. Durante o ano de 2020, moradores avistaram equipamentos como esses a realizar manutenção nas obras do Projeto Una. Isso não impediu, no entanto, que ocorressem repetidas
inundações no mesmo ano, agravando ainda mais as condições sanitárias e de saúde provocadas pelo novo corona vírus. Quando a imagem circulou pelas redes sociais, um técnico que trabalhou na execução das obras do Projeto Una declarou que este equipamento é inadequado para o trabalho realizado. Segundo as palavras do técnico: "escavadeira sobre esteiras não é indicada para a manutenção
dos canais porque destrói o pavimento. Na época do Projeto Una dimensionamos,
adquirimos e repassamos à PMB escavadeiras sobre pneus".
No decorrer do ano, inundações por transbordamento de canais prosseguiram na Bacia do Una, como mostra este registro de 04 de novembro de 2020 sobre a inundação
na Rua João Balbi, entre a Travessa 9 de Janeiro e Passagem Professora Antônia
Nunes, causada pelo transbordamento do Canal Antônia Nunes. Este canal foi incluído
durante a fase de execução do Projeto Una e não sofreu intervenção das obras da
Macrodrenagem da Bacia do Una.
Em 2021 inundações continuam a ocorrer na Bacia do Una, conforme registrado em 24 de janeiro quando houve transbordamento do
Canal do Galo. O vídeo acima foi produzido às 16 horas e 10 minutos de um domingo na Vila Freitas, localizada na Travessa Antônio Baena entre a Avenida
Marquês de Herval e a Avenida Pedro Miranda no bairro da Pedreira em Belém do
Pará, Sub-bacia I do Projeto Una. A FMPBU continua chamando atenção para o fato de que essas inundações ocorrem por conta da não observância por parte da Secretaria Municipal de Saneamento (SESAN), às
normas técnicas especificadas no Manual
de Operação e Manutenção de Drenagem, Vias e Obras de Arte Especiais da Bacia
do Una - Volume I e II, maio de 2002.
Entre os impactos da pandemia
sobre as condições de vida na Bacia do Una, esteve a paralisação das atividades
de mobilização política e comunitária. Durante o período, houve adoecimento e
óbito de moradores. Quem pôde manter o distanciamento e o isolamento social, assim
o fez. Também foi paralisado o diálogo com órgãos públicos, incluindo os do
Sistema de Justiça. Foi o caso, por exemplo, da reunião agendada com a
Defensoria Pública para o dia 18 de março de 2020, que foi cancelada no mesmo
dia quando o órgão suspendeu suas atividades devido à pandemia. Em outras
palavras, os moradores da Bacia do Una precisaram se manter ausentes dos seus
espaços de luta e de representação enquanto seus direitos continuaram a ser
violados.
A
pandemia prosseguiu, assim como os alagamentos e inundações na Bacia do Una e
em Belém como um todo. No plano institucional, as questões relativas à judicialização de
políticas públicas na Bacia do Una ficaram inativas até 25 de novembro, quando
o Juiz de Direito da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas Coletivas se
pronunciou em um novo despacho relativo à Ação Civil Pública Ambiental
(Processo nº 0014371-32.2008.8.14.0301) ajuizada pelo Ministério Público em
2008. No despacho, o Juiz convoca as partes no processo para uma audiência de
conciliação a ser realizada em formato virtual no dia 15 de dezembro de 2020.
O despacho também garantiu que as
partes reunissem novas informações ou documentos referentes à situação objeto
da Ação Civil Pública Ambiental, isto é, a obrigação de fazer a manutenção e
conservação – de acordo com os manuais técnicos apontados na petição inicial do
Processo – do conjunto de obras do Projeto Una e a realização de obras de
microdrenagem que ficaram pendentes após a conclusão do referido projeto. Entre
as novas informações e documentos reunidos estiveram os registros realizados pelos
moradores sobre suas condições de vida marcadas pela ausência de políticas
públicas de saneamento no ano de 2020, o que inclui inundações, alagamentos,
falta de esgotamento sanitário e deterioração das obras de macrodrenagem
realizadas pelo Projeto Una.
Nos
dias 04 e 11 de dezembro foram realizadas visitas de campo em canais e
logradouros da Bacia do Una para construir um registro fotográfico atualizado
da situação das obras (ou de sua ausência) do Projeto de Macrodrenagem Bacia do
Una. Parte do registro que segue abaixo foi anexado aos autos do processo com o objetivo de subsidiar a decisão
judicial em andamento.
As duas imagens acima foram capturadas em 04 de dezembro de 2020, às margens do Canal São Joaquim, nas proximidades da Avenida Júlio César, Bairro da Maracangalha, Sub-bacia V do Projeto Una. Observa-se que houve retirada de vegetação do talude do canal. Porém, há ilhas formadas por assoreamento surgindo sobre o leito do curso d'água, o que reduz a capacidade de armazenamento de água daquela que é a principal calha da Bacia do Una.
No Canal São Joaquim, ainda se observa a presença de uma quadra poliesportiva construída sobre gigantesco assoreamento acumulado sobre o talude da marginal esquerda (considerando o sentido da vazão do curso d'água) na esquina com a Passagem Stélio Maroja, Bairro do Barreiro, Sub-Bacia V do Projeto Una. A imagem foi registrada em 04 de dezembro de 2020.
Na convergência entre o Canal do Galo e o Canal São Joaquim, bairro do Barreiro, Sub-bacia V do Projeto Una, é possível avistar o Canal do Una, projetado como um grande reservatório de águas pluviais e servidas antes das Comportas do Una e do Jacaré, o último obstáculo entre o sistema de macrodrenagem da Bacia do Una e as águas da Baía do Guarajá. A imagem acima mostra o assoreamento deste importante reservatório, o que tem impacto direto sobre sua capacidade de armazenamento da drenagem urbana. A foto foi capturada em 04 de dezembro de 2020.
As duas fotos acima mostram o grau de assoreamento do Canal do Galo na Travessa Antônio Baena entre as Avenidas Marquês de Herval e Pedro Miranda, Bairro da Pedreira, Sub-bacia I do Projeto Una. Assim como no Canal São Joaquim, observa-se que houve manutenção nos taludes com a retirada de vegetação e de excesso de terra que avançava sobre a água. No entanto, o leito do canal ainda permanece assoreado, sendo perceptível a falta de profundidade do curso d'água. Nota-se no canto superior direito da segunda foto que o sistema de drenagem está parcialmente obstruído pelo assoreamento.
Também na Sub-bacia I do Projeto Una, na confluência entre os Bairros da Pedreira e Fátima, nota-se o assoreamento e presença de vegetação ostentiva no Canal da Visconde de Inhaúma. Trata-se do trecho em que este canal recebe as águas da galeria subterrânea da Travessa Antônio Baena, também assoreada e parcialmente obstruída, com sua vazão prejudicada. A imagem foi capturada em 11 de dezembro de 2020.
Acima, a Vila Santa Terezinha - localizada na Travessa Nove de Janeiro entre Domingos Marreiro e Antônio Barreto, Bairro do Umarizal, Sub-bacia I do Projeto Una - é uma das inúmeras pendências de microdrenagem deixadas pelo Projeto Una após sua conclusão. Pendências de microdrenagem são logradouros que não receberam equipamentos de drenagem superficial (canaletas, meio-fio, bocas de lobo, poços de visita), terraplenagem e pavimentação. Muitas vezes esses locais também possuem um sistema de esgoto deficitário, como é o caso da Vila Santa Terezinha. Na foto acima, aparece uma fossa séptica coletiva implementada pelo Projeto Una, que segundo os moradores do local não atende todas as residências do referido logradouro. Como mostra a foto inferior, no interior da Vila os moradores são levados a construir um sistema de esgoto improvisado.
No bairro do Umarizal também foi registrado em 11 de dezembro de 2020 o comprometimento das estruturas do Canal Antônia Nunes (Sub-bacia I do Projeto Una), entre a Avenida Governador José Malcher e a Rua João Balbi. Ao longo de toda a extensão do canal se observou assoreamento e o estado precário das vigas que sustentam o canal, bem como o desprendimento dos blocos de concreto do seu talude retangular, além da presença de material proveniente de esgotamento sanitário. Há poucas quadras dali, no Bairro de São Brás, Sub-bacia I do Projeto Una, se encontra a Galeria Honorato Filgueiras, que se transforma em canal de mesmo nome. Abaixo, o aspecto da galeria também assoreada, parcialmente obstruída e com suas estruturas comprometidas.
Além de compor
os autos do processo constando no manifesto do Sindicato dos Trabalhadores nas
Indústrias Urbanas do Pará (STIUPA), habilitado como amicus curiae, o registro fotográfico - quando exporto nesse blog - também passa a compor parte do
acervo imagético online da Frente dos Moradores Prejudicados da Bacia do Una (FMPBU),
ficando disponível para o público em geral.
Sobre
a audiência conciliatória do dia 15 de dezembro de 2020, esta foi realizada e
gravada por um aplicativo online e estiveram presentes o Juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública e Tutelas
Coletivas, a Ordem dos Advogados do Brasil seção Pará (amicus curiae), a Defensoria Pública do Estado do Pará (litis consorte), o Sindicato dos
Trabalhadores nas Indústrias Urbanas do Pará (amicus curiae), além dos réus do processo: a COSANPA (Companhia de
Saneamento do Pará) e a prefeitura representada por dois órgãos – o PROMABEN II (Programa de Macrodrenagem da Estrada Nova em sua segunda etapa) e a SESAN (Secretaria Municipal de
Saneamento).
Em 2011 o juiz
então responsável pelo processo havia se manifestado a favor de um TAC (Termo
de Ajustamento de Conduta) entre as partes, uma espécie de acordo extrajudicial
que vinha sendo intermediado pelo Ministério Público Estadual desde então. Em
contraste, o posicionamento do novo juiz que assumiu o processo é trabalhar em
uma sentença para o que foi judicializado na Ação Civil Pública em 2008. No
entanto, esse encaminhamento apresenta ressalvas: como foi dito pelo juiz na
audiência: “a sentença precisa estar mais próxima da realidade do momento, e
não de quando a ação foi proposta”.
Na prática, isso pode significar a
flexibilização das obrigações de fazer presentes na petição inicial da Ação
Civil Pública, problema que já vinha sendo observado nas negociações do TAC.
Por outro lado, adequar a sentença à realidade de 2021 também implica
considerar que a Bacia do Una já não é a mesma de 2008 após mais de uma década
de abandono e de impactos pela falta de manutenção de suas obras e por
inundações. Como fica evidente no registro fotográfico apresentado, as omissões
do poder público ao longo do tempo aumentaram a extensão dos problemas,
deterioraram os equipamentos implementados pelo Projeto Una, pioraram as condições
de vida da população atingida e criaram novas necessidades que devem ser
solucionados em uma sentença coerente com a “realidade do momento”.
Na audiência também foi questionado o que foi realizado pela prefeitura desde a contratação do empréstimo de 45 milhões de dólares junto ao BID que ocorreu em 2017. Este recurso, inicialmente destinado à segunda etapa do Projeto de Macrodrenagem da Estrada Nova, também seria utilizado na reabilitação das obras da Bacoa do Una. A funcionária representante do PROMABEN II - unidade responsável pela execução das obras na Bacia do Una - respondeu que o projeto ainda está na fase de licitação e a prefeitura está buscando se adequar às normativas do financiador. Falou ainda ainda não há um projeto executivo das obras, o que explica em parte a nebulosidade com que a prefeitura se refere ao que de fato consiste a "reabilitação" da Bacia do Una. Nesse sentido, não houve novidade em relação ao que foi dito na audiência pública de 17 de dezembro de 2018, na sede do Ministério Público Estadual, como foi relatado em um post anterior.
A representante do PROMABEN II demonstrou preocupação ao falar sobre esses trâmites, pois o projeto corre contra o tempo. Em abril, ela afirmou, haverá nova reunião com o BID e o programa corre o risco de perder financiamento se não tiver um projeto executivo pronto para ser licitado. O contexto da troca na administração municipal também é um agravente. Naquele momento (dezembro de 2020), a funcionária acreditava que o novo prefeito, Edmilson Rodrigues, nomearia sua comissão de licitação apenas em janeiro. No início de fevereiro, o portal da prefeitura noticiou que o PROMABEN II estava sendo reavaliado e que o prefeito estivera em reunião com assessores comunitários e técnicos do projeto em 03 de fevereiro de 2021.
A mudança no Juiz de Direito encarregado do processo e o recomeço das negociações com os réus (COSANPA, Governo do Estado e Prefeitura) representa a repetição de um ciclo que ocorre desde a judicialização do processo em 2008. Por isso, a judicialização do problema deve ser vista como um meio e não como fim. A experiência até agora tem mostrado que resultados mais satisfatórios ocorrem quando há pressão dos dois lados: na arena jurídica sobre os órgãos do sistema de justiça na arena política sobre o poder executivo.
Links:
Post sobre saneamento ambiental e pandemia de COVID-19
Post sobre a audiência pública do dia 17 de dezembro de 2018
Prefeito discute retomada de obras do PROMABEN