Este vídeo apresenta uma reportagem realizada pela TV Record Belém que foi ao ar no ano de 2007, isto é, aproximadamente dois anos após a conclusão das obras do Projeto de Macrodrenagem, Vias e Esgotamento Sanitário da Bacia do Una, projeto que foi um marco para o saneamento em Belém e serve de referência internacional quando se trata de obras de reforma urbana.
No ano de 2013, a imprensa televisiva paraense pareceu ter "descoberto" o problema dos alagamentos de inverno e da falta de saneamento básico em diversas "comunidades" espalhadas pela capital Belém e sua Região Metropolitana. Todos os dias os jornais regionais de 1ª e 2ª edição mostram "comunidades" assoladas pela força inclemente das águas das chuvas e marés que resultam em alagamentos. Quando não há alagamentos, os repórteres procuram sensibilizar os telespectadores mostrando o cenário caótico de "comunidades" que não tem acesso a direitos básicos do cidadão como saneamento, o que inclui pavimentação das vias, esgotamento sanitário, oferta de água potável e coleta de lixo. Nessas reportagens, os moradores dessas "comunidades" são instados a falar sobre os problemas de sua rua e sobre suas perdas materiais ocasionadas pela falta de saneamento.
O papel da mídia local é, justamente, tornar visível as condições de vida de populações que estão à margem das prioridades do poder público. Não nos incomoda o que é mostrado nessas reportagens, uma vez que os alagamentos e a falta de saneamento em Belém são fatos irrefutáveis. Apenas não concordamos com a maneira com que esses assuntos são conduzidos pelas emissoras locais. As reportagens sobre alagamentos e falta de saneamento acabaram se tornando repetitivas e redundantes, banalizando estes problemas e esvaziando a discussão sobre os direitos à moradia digna, ao ir e vir, ao saneamento básico e à saúde pública. Enfim, trata-se de direitos que são entendidos à luz de um direito: o direito à cidade.
Relutamos em postar o vídeo acima com receio de obter o mesmo efeito que estas reportagens obtiveram através da mídia televisiva paraense: a BANALIZAÇÃO do problema. Para evitar que isso aconteça, gostaríamos gostaríamos de tecer alguns comentários sobre a problemáticas apontadas até agora.
Talvez alguns leitores tenham se sentido incomodados com as aspas empregadas toda vez que dispomos do termo "comunidade". Não temos nada contra as comunidades (agora sem aspas). "Comunidade" é um termo de origem religiosa utilizado para designar um lugar onde as pessoas vivem, se identificam umas às outras e se protegem contra os que estão fora dos seus limites. Nesse sentido, muitos locais que sofrem com alagamentos e com deficiências de saneamento são comunidades. No entanto, ao mesmo tempo em que oferece conforto espiritual e segurança para seus membros, a comunidade está isolada em relação ao que a rodeia. Da mesma forma, as "comunidades" (agora fazemos questão das aspas) mostradas pelos telejornais são micro-universos que aparecem dissociados da realidade urbana de Belém como um todo. As "comunidades" aparecem como "pontos" da cidade que padecem de alagamentos ou que carecem da presença do poder público. Ao focar os problemas das "comunidades", espacializam e pontualizam a questão do saneamento, restringindo-a a "uma rua", "um bairro" ou "uma vila". E, no entanto, quando falamos de cidade e saneamento, estamos nos referindo e um sistema. Logo, não estamos diante de um problema de "comunidade", mas de um problema de Belém. A linguagem televisiva da assistência às "comunidades" desmobiliza e despolitiza a luta pela direito à cidade.
Além de pulverizar o que deveria ser tratado em caráter de sistema, a abordagem telejornalística que privilegia focos de deficiência de saneamento desloca o olhar da grande massa para longe de questões como as omissões e irregularidades do Projeto de Macrodrenagem da Bacia do Una. Diversos pontos da cidade - alguns pertencem, outros não pertencem à Bacia do Una - mas não é feita referência a este Projeto que deveria ter contemplado satisfatoriamente 60% do sítio urbano de Belém e não atingiu seus objetivos por falta de manutenção e de prosseguimento nas obras menores que ficaram pendentes.
Que Belém alaga, todo mundo já sabe. A população que mora próxima aos canais da Bacia do Una - assim como de outras bacias hidrográficas da Região Metropolitana de Belém - já se prepara quando sente a chegada das águas invernais. Muitas vezes nem é preciso que seja inverno para que as águas pútridas dos canais invadam as ruas e as casas dessas pessoas. Mas a reportagem do vídeo postado faz pouca alusão aos alagamentos e, na verdade, este é o seu mérito. O enfoque recai sobre a causa destes alagamentos. A reportagem traz à tona o esquema fraudulento que resultou no sucateamento e extravio do maquinário destinado a realizar a manutenção das obras no sistema macrodrenante da Bacia do Una.
Este não é um problema de "comunidade". Existe uma Ação Civil Pública contra a Prefeitura Municipal de Belém, o Governo do Estado e COSANPA. Esta Ação Civil Pública está ajuizada desde 2008 e os réus não são condenados, conforme os representantes do Ministério Público, por "falta de pressão popular". Para ficar mais fácil de entender: a questão não é mais "POR QUÊ BELÉM ALAGA?". Isso nós já sabemos, a Assembléia Legislativa do Pará já sabe, a Câmara de Vereadores já sabe, os técnicos envolvidos no Projeto Una já sabem e a Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente, Patrimônio Público, Habitação e Urbanismo de Belém do Ministério Público Estadual já sabe. A questão não é "porque a prefeitura não resolve o problema das comunidades?". A questão é: "POR QUÊ O PODER JUDICIÁRIO NÃO FAZ SEU TRABALHO?" se existem provas conclusivas sobre o desvio de maquinário. Não somos ingênuos a ponto de pensar que reportagens jornalísticas servem de prova inequívoca para condenamento pela Justiça. Mas um conjunto de reportagens entregue em 2008 ao Ministério Público Estadual deveria servir de ponto de partida para uma investigação mais apurada sobre o caso da Bacia do Una.
No vídeo o ex-secretário de saneamento Luiz Otávio Pereira (que recentemente voltou a ocupar este cargo na atual administração municipal) aparece em 2008 afirmando que, diante de um eminente escândalo de corrupção envolvendo o Projeto Una, haveria risco do BID - Banco Interamericano de Desenvolvimento não financiar mais obras de saneamento em Belém. No ano de 2013 sabemos que o BID fechou os olhos para estas denúncias e ainda liberou recursos para a realização de projetos de macrodrenagem em outras três bacias hidrográficas de Belém: a Bacia da Estrada Nova, a Bacia do Tucunduba e a Bacia do Mata-Fome. Ou seja, é bastante provável que tenhamos mais três oportunidades de vermos a história da Bacia do Una se repetir.
Por isso, não deixemos que uma reportagem como a do vídeo acima banalize o problema das deficiências de saneamento em Belém. Não são "comunidades", é um sistema de saneamento que está comprometido. Não se trata de um canal, mas de um sistema de cursos d'água interligados, isto é, 17 canais, 6 galerias e 2 comportas que constituem hoje a Bacia do Una. Que façamos um exercício de pensar não sobre a rua que alaga, mas sobre os 20 bairros que compõem a Bacia do Una que estão nesta mesma situação. Que, se possível, por um segundo esqueçamos os prejuízos da perda de móveis e eletrodomésticos e pensemos nos 212 milhões de dólares investidos e já quase perdidos no Projeto Una. E que, sobretudo, pressionemos o Poder Judiciário para que a Justiça seja feita contra os responsáveis pelo abandono da Bacia do Una.
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